A Guerra de Ordenamento Mundial

A Guerra de Ordenamento Mundial
O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização

Weltordnungskrieg

Das Ende der Souveränität und die Wandlungen des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung

ISBN 3-89502-149-0

Editora: Horlemann Verlag, Postfach 1307, 53583 Bad Honnef, 2003

Tel 0 22 24 - 55 89; Fax 0 22 24 - 54 29

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO

A crise do sistema mundial e o novel vazio conceptual . . . . . . . . . . . . . . . . .11

AS METAMORFOSES DO IMPERIALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

A luta pelo domínio mundial capitalista está decidida 16 · A última potência mundial no limite histórico do sistema 23 · Do imperialismo nacional e territorial para o "imperialismo global ideal" 26 · Do pacifismo nacional dos "homens bons" para o belicismo de intervenção global 33 · A NATO como prolongamento supranacional do "imperialista global ideal" 36

OS FANTASMAS REAIS DA CRISE MUNDIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Os mandarins de crise e as novas guerras civis 46 · A economia do saque global 48 · A sociedade do risco, as contingências objectivas e as relações de violência 54 · A lógica da dissociação e a crise da relação entre os sexos 56 · O frio face ao próprio Eu 59 · A economia da autodestruição: A globalização e a "incapacidade de exploração" do capital 63 · A metafísica da Modernidade e a pulsão de morte do sujeito destituído de fronteiras 68

A POLÍCIA MUNDIAL PÓS-MODERNA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

A nova doutrina militar e a nova economia de guerra 75 · O "confronto de civilizações" como ideologia de guerra 81 · A ideologia e a lógica dos direitos humanos 85 · Da economia política para o culturalismo pós-moderno 89 · O imperialismo securitário 103 · O imperialismo do petróleo e do gás: a salvaguarda das reservas estratégicas de matérias-primas 110

O PRÓXIMO ORIENTE E O SÍNDROMA DO ANTISEMITISMO . . . . . . . . . . . 115

A religião de combustão do capitalismo e os regimes do petróleo 114 · O anti-capitalismo e a ideologia de crise antisemita 118 · O estado de Israel e o seu paradoxal estatuto no seio do capitalismo mundial 126 · O fim dos "movimentos de libertação nacional" e o fantasma da fundação do estado palestiniano 129 · Israel como "alienígena" no seio do mundo capitalista e o neo-antisemitismo árabe 133 · Do sionismo até ao domínio dos ultras: a crise interna da sociedade israelita 136

O APARTHEID IMPERIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156

Um mundo cheio de refugiados 157 · O imperialismo da exclusão: o muro e a faixa da morte à moda liberal 160 · A ilusão da "reconstrução" 172 · A economia-fantasma do complexo humanitário e industrial 178 · A economia da violência sexual e da miséria 180 · Do estado tampão ao zoo étnico 183

O CONSENSO DEMOCRÁTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .190

Estrangeiros domésticos como recursos humanos 190 · A caça ao Homem no interior e o terror da deportação 193 · O campo de concentração democrático 203 · As zonas racistas 208 · A populaça democrática em acção 213 · EUA: A identidade de base racista e a guerra civil entre guetos 217 · As identidades sintéticas e o neo-radicalismo de direita 222 · Os úteis e os inúteis 225 · A globalização dos "decentes" 231

O IMPÉRIO E OS SEUS TEÓRICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

O império e os novos bárbaros (Jean Christophe Rufin) 240 · Empire – O mundo em crise como a Disneylândia da "Multitude" (Michael Hardt / Antonio Negri) 255

O FIM DA SOBERANIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272

A Al-Qaeda: uma nova qualidade da violência pós-política 273 · Dois tipos de sacrifícios humanos. Sobre a teologia da indignação democrática 277 · A autodefesa nacional como impossibilidade lógica 280 · O poder totalitário da Modernidade: o conceito de soberania 282 · A desterritorialização politico-militar 285 · Todos contra todos: a transformação anómica 287 · A derrocada do direito internacional 294 · A aliança com as potências pós-soberanas 297 · A privatização do monopólio da violência 301 · O desgaste moral das instituições e a corrupção do nomos democrático 303 · O fim da soberania e a ilusão jurídica 305 · O capitalismo não funciona sem soberania 314

O ESTADO DE EMERGÊNCIA GLOBAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320

O tribunal secreto da democracia 320 · O fim da forma legal moderna e a ideologia da "legitimidade" 324 · Os crimes de guerra democráticos e a subversão democrática da legalidade 327 · O imperialismo securitário anómico aplicado ao interior 331 · McCarthy manda saudades: a caça às bruxas democrática 333 · Poderá a tortura ser pecado? 336 · A lógica do estado de emergência 337 · Apontamentos históricos sobre o estado de emergência 340 · O estado de emergência permanente 343 · A luta pela sobrevivência e a vontade quebrada: O estado de emergência enquanto o nomos oculto da Modernidade 345 · As casas do horror da gestão empresarial: O capitalismo enquanto estado de emergência solidificado 351 · A liquefacção do estado de emergência enquanto liquefacção da soberania 356 · A naturalização expatriadora e a cidadania de miséria 358 · Judeus e outros "inúteis": a estrutura da exclusão oclusiva 360

O TRAÇO ANACRÓNICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363

O materialismo vulgar e a irracionalidade do sistema 365 · Sempre de novo, a primeira guerra mundial 369 · Os condutores em contramão históricos da nova esquerda 373 · O sono epocal da esquerda radical 376 · Da febre petrolífera até ao desvario da alma 383 · A Alemanha enquanto fantasma de uma potência mundial 386 · Sempre de novo, a segunda guerra mundial 389 · O grande jogo aos Hitleres 392 · Uma teoria da conspiração para indigentes intelectuais 400 · A globalização da "ideologia alemã" 404 · Após o 11 de Setembro: o último estádio do pensamento anacrónico 406

DA GUERRA DE ORDENAMENTO MUNDIAL

ATÉ AO AMOQUE NUCLEAR? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413

O regresso ao paradigma dos "estados vilões" 414 · A crise dos mercados financeiros e o "sonho do Oleodorado" 419 · A pulsão de morte nuclear do poder 425 · Em prol de um renascimento da crítica social radical 434

Autores citados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440

Sobre o autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 447

INTRODUÇÃO

A crise do sistema mundial e o novel vazio conceptual

Na parca medida em que, num tempo em que o sistema em vigor já parece dispensar qualquer tipo de legitimação, ainda vai havendo quem pense de um modo reflexivo, esse mesmo pensamento releva de um carácter estranhamente anacrónico. Tal não só se aplica ao respectivo conteúdo como igualmente às categorias em que esse conteúdo se apresenta. Da mesma forma como existem crescentemente novos e gritantes contrastes sociais, os quais, no entanto, já não são passíveis de serem explicados com o recurso a modelos sociológicos claros e inequívocos ou a conceitos de classe, da mesma forma podem ser observados novos conflitos económicos, conflitos culturais e guerras de escala global que já não podem ser descritos com os conceitos tradicionais das políticas económica, interna e externa. Embora o assim chamado debate da globalização conduzido desde o início dos anos noventa (a coincidir aproximadamente com o colapso da União Soviética) se aperceba de uma série de fenómenos novos, estes continuam a ser passados pelo vetusto crivo categorial, visto não se encontrar à disposição nenhum outro sistema de referência conceptual. Assim constata-se, por um lado, uma perda de significância da política e um desvanecimento da soberania dos estados, se bem que se teime, por outro, em exprimir essas manifestações empíricas recorrendo aos conceitos tradicionais da política e das relações entre estados.

Com isso encontra-se relacionado o facto de qualquer orientação, na medida em que esta ainda é, sequer, intentada, ser voltada quase irremediavelmente para o passado, nomeadamente enquanto esperança de, e busca de concepções para alguma "recuperação da dimensão política"; e é justamente por isso que a forma de ver o novo se revela fenomenologicamente limitada, enquanto a indumentária conceptual permanece a de sempre, sendo defendida com unhas e dentes. Isso mesmo manifesta-se, não em último lugar, ao nível das relações internacionais ou entre estados quando, de um modo tão fanfarrão quanto desajustado, se fala de uma "política interna mundial". Esta frase feita, especialmente em voga e papagueada até à exaustão em círculos verdes e sociais-democratas, comprova da forma mais imediata que tudo isto não passa de uma projecção de velhos conceitos burgueses sobre o pano de fundo de um desenvolvimento tão novo quanto incompreendido.

Aqui impõe-se o paralelismo com o debate sobre a crise da sociedade do trabalho. Também a este respeito realça-se continuamente a novidade das manifestações, ao passo que a categoria do trabalho propriamente dita, enquanto apriorismo tácito, permanece literalmente tabu e todas as concepções ou até receitas milagrosas acabam por conduzir à preservação dessa mesma categoria sob uma forma qualquer e quase que a qualquer preço. A analogia dos modos de proceder remete para a conexão intrínseca entre ambos estes complexos: a crise do trabalho mundial e a crise da política mundial representam apenas aspectos diferentes do mesmo processo social em curso à escala mundial.

Enquanto se encontrava na ordem do dia a guerra fria como conflito sistémico entre duas manifestações ou fases de desenvolvimento diferentes do moderno sistema produtor de mercadorias, ela sobrepunha-se a um problema mais basilar que deste modo passou despercebido. Sob a epiderme da guerra fria foi-se constituindo uma estrutura de crise com ramificações operantes à escala global que, com o esboroamento do capitalismo de estado, veio à luz sem aviso prévio mas que, sobre o pano de fundo da história do pós-guerra, apenas pôde ser percepcionada sob uma forma ideologicamente distorcida.

O que parecia ser a "vitória" do capitalismo ocidental foi-se revelando, ao longo dos anos noventa, como uma derrocada socio-económica irreversível, desde já, de extensas partes da periferia do mercado mundial. No centro deste processo de crise encontra-se o derretimento da substância real (produtora de valor real) do trabalho capitalista por obra da terceira revolução industrial, a crescente "incapacidade de exploração" do capital devida aos seus próprios padrões tecnológicos de produtividade e, com isso, a dessubstancialização do dinheiro (o desacoplamento dos mercados financeiros da economia real). Esta lógica interior da crise, contudo, não se repercute apenas sob a forma de uma ruptura estrutural ao nível das relações mundiais de mercado (globalização do capital), mas igualmente como ruptura estrutural ao nível do sistema político mundial (fim da soberania e do direito internacional).

Sob este aspecto, aquilo que é apregoado, sob o rótulo da globalização, como uma mudança à escala mundial positiva e detentora de um grande potencial para o futuro há muito que pode ser decifrado como o processo de desagregação do modo de produção e de vida prevalecente, o qual se bifurca num capitalismo minoritário global em vias de rarefacção, por um lado, e os seus produtos de barbarização, por outro. Neste contexto, a contradição estrutural imanente à relação de capital entre o estado e o mercado, ou entre a política e a economia, não pode ser sustentada por mais tempo, tanto ao nível dos estados nacionais como ao nível do sistema mundial. O que, em termos de política interna, se manifesta como o processo de erosão da soberania do estado, manifesta-se em termos de política externa sob a forma da degradação das relações internacionais.

A ambos estes níveis vai-se tornando difícil a resolução da contradição. Embora os estados nacionais continuem a existir enquanto invólucros formais e enquanto aparelhos (que actuam, no âmbito da administração de crise, de um modo crescentemente repressivo), eles encontram-se destituídos das suas bases coerentes em termos económicos. Os capitais transnacionais e os respectivos mercados, ao invés, embora consigam estender-se para além do sistema de referência nacional e internacional tradicional, destruem por isso mesmo cada vez mais as suas próprias condições de enquadramento. Assim surgem novas e incontroláveis formas de transição em que culminam as irremediáveis contradições intrínsecas do capital mundial.

Não é apenas uma preguiça mental generalizada que impede o desenvolvimento de uma nova conceptualidade que corresponda aos fenómenos novos. É que, no que diz respeito aos conceitos em causa, que são a economia nacional, o estado nacional, a política nacional interna e externa ou uma daí decorrente política nacional de interesses e de "influência" (imperialismo), não se trata de expressões de uma determinada fase evolutiva transitória mas, à semelhança do conceito do trabalho, de categorias fundamentais do próprio sistema social moderno em todas as suas variações. Os novos fenómenos são fenómenos de crise de um tipo inédito, uma vez que já não conduzem a um estado evolutivo superior da socialização burguesa, mediada através da produção de mercadorias, constituindo antes a crise categorial específica desta última.

Por tudo isso o desenvolvimento também já não pode ser determinado desde o ponto de vista da ordem mundial vigente, podendo sê-lo unicamente sob o ponto de vista da respectiva autodestruição. Para ser mais exacto: já não existe qualquer "desenvolvimento" positivo e sustentável sobre este fundamento social. Isso significa que a análise tem de levar em consideração, juntamente com a degradação das relações sociais subjacentes, também o desmoronamento dos conceitos por que esta ordem se faz representar. E, sob este ponto de vista, não são obsoletos apenas os conceitos do sistema mundial económico, mas igualmente os conceitos do sistema mundial político.

Os devastadores ataques terroristas contra os EUA do 11 de Setembro de 2001 tornaram claro, literalmente num abrir e fechar de olhos, o que já muito antes se conseguia adivinhar: a interligação social à escala mundial, não conseguida por intermédio de acordos conscientes e da autodeterminação humana, mas através das cegas leis da concorrência e dos mercados financeiros não só produz novos tipos de crises estruturais, mas igualmente novos potenciais subjectivos de ódio e destrutividade em que se manifesta a decomposição da "subjectividade política" burguesa. Do sono da razão nascem monstros, sendo que a "mão invisível" de um economicismo totalitário desenfreado faz das suas com tão pouco dó e piedade como a outra "mão invisível", a de uma cega raiva "pós-ideológica" e "pós-política", cujo balbuciar pseudo-religioso involuntariamente comprova que qualquer legitimação racionalista da assim chamada "modernização" se esgotou definitivamente.

A ratio da sociedade mundial, baseada na valorização infinita enquanto movimento espontâneo do capital monetário, é, ela própria, esse sono da razão. No entanto, esta racionalidade moderna de um fim-em-si irracional degenerada em "pragmatismo", ou seja, já não capaz de uma reflexão e auto-reflexão crítica, não pode nem quer ver os seus limites e, assim, limita-se a prosseguir obstinadamente no "business as usual", tentando definir os seus próprios demónios como um "problema de segurança" exterior e exógeno. A imparável desagregação da economia é suposto ser detida com meios económicos, ao passo que se pretende travar a igualmente imparável desagregação da política com meios políticos. Os senhores mundiais do capital já não compreendem o seu próprio mundo.

Para se poder chegar a compreender o que parece incompreensível é necessário adoptar, bem contrariamente à ideologia pragmática das elites funcionais em exercício que, hoje, em boa verdade, já apenas executam a pretensão totalitária da economia sobre o mundo, uma posição muito pouco em voga de distância e crítica radical. Somente a partir desta posição é que se torna possível reconhecer como tais os processos de decomposição e de autodestruição do sistema mundial, analisar todas estas correlações na respectiva dimensão histórica e, ao mesmo tempo, documentá-las como o limite da dinâmica capitalista que actualmente se nos defronta.

Tradução de Lumir Nahodil

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