A MORTE DO CAPITALISMO

CORDEL DO FIM DO TRABALHO

A MORTE DO CAPITALISMO



Dizem que o Apocalipse

Só fala em destruição

No entanto após o caos

Se prevê renovação

Eu convoco todo o povo

A ler esse cordel novo

Pra fazer reflexão...



Esse cordel novo traz

A todos, mensagem nova:

'A política caducou

O trabalho jaz na cova'

Cordel do fim do trabalho

Que chega metendo o malho

Mata a cobra e mostra a prova!



O Deus Todo Poderoso

Cuja obra hoje contemplo

Fez o mundo em sete dias

E a terra nosso templo

Mas descansou na verdade

Pra toda a eternidade

Que beleza de exemplo.



O seu filho Jesus Cristo

Segue o exemplo do Paizão

Pois nunca enfiou um prego

Numa barra de sabão

Nunca jogava baralho

No entanto contra o trabalho

Fez um famoso sermão...



Disse Ele: 'olhai os lírios

No campo, nunca fiaram

Observem os passarinhos

Sementes nunca plantaram

No entanto quem os alimenta?

Quem tece sua vestimenta?

Numa cruz Jesus pregaram.



Toda religião tem

Seu tipo de paraíso

Em nenhum deles porém

Trabalhar será preciso

Em todos sem excepção

O ócio e vadiação

Vem logo após o juízo.



No inferno, nem pensar,

La foi automatizado

O cão é tão vagabundo

Que só quer viver deitado

No videogame jogando

E a turma toda mofando

Com o caldeirão desligado.



E então 'negada', por que

(Me respondam francamente)

Nós temos que trabalhar?

Não cabe na nossa mente

Um tamanho disparate

Pra vivermos nesse embate

Tal qual um ser penitente.



Na Grécia antiga somente

Os escravos trabalhavam

Os da elite ociosa

No batente não pegavam

Dos escravos era o esforço

E com três paus no pescoço

Triste sina carregavam...



A partir daí nasceu

A tal palavra trabalho

Que vem do latim 'tripalium'

Eu lhes digo sem atalho

No sertão o nome é canga

Que na rês a gente encanga

Bem no lugar do chocalho.



Um grande exemplo dos gregos

Nos vem da mitologia

Da condenação de Sísifo

Um paralelo se cria

Ao seu trabalho humilhante

O nosso é bem semelhante

É isso o que se avalia.



Por ser muito criativo

Sísifo foi condenado

A subir uma montanha

Com uma pedra no costado

Depois deixá-la rolar

E novamente a pegar

E repetir todo o traçado!



A pena de Sísifo era

Pra toda a eternidade

O que mais lhe humilhava

Era a inutilidade

Do trabalho que fazia

Para Sísifo não havia

Maior imbecilidade.



Hoje essa mitologia

Poderá ser finalmente

Por todos nós reescrita

Duma forma diferente

Que as maquinas trabalhem

Que os tais robôs se espalhem

Deixando lazer pra gente.



O grande Aristóteles foi

O primeiro pensador

A imaginar as máquinas

Sem as mãos do trabalhador

Produzindo de um tudo

Quando se deu seu estudo

Não existia o robô.



Um segundo pensador

Que partiu dessa premissa

Foi o francês Paul Lafargue

Aqui se faça justiça

Pois ele fez um protesto

Ao lançar um manifesto

Em defesa da preguiça.



Só com três horas diárias

Pra cada trabalhador

Abastecia toda a França

O Lafargue calculou

Lá ainda não havia

Essa tecnologia

Nem sequer computador.



Depois me veia a vó Biza

Que vivia a ensinar:

‘A formiga só trabalha

Porque não sabe cantar'

Ser feliz é vocação

Trabalhar é maldição

Diz o saber popular.



Por último o grupo Krisis

Lá da Alemanha bradou

Sua ira contra o trabalho

Um manifesto lançou:

Igual um deus moribundo

Um defunto ronda o mundo

O deus trabalho expirou.



O grupo Krisis afirma

Nada mesmo é ontológico

Porque tudo é passageiro

Acho isso muito lógico

O trabalho em especial

Que é uma invenção social

E é algo antibiológico.



Lá nos rascunhos de Marx

Ao livro do Capital

Viu na tese do valor

Razão da crise final

Como uma anunciação

Faz ele uma previsão

Que é bastante atual:



Quando a mão de obra humana

For pois substituída

Pelo trabalho das máquinas

Será auto-destruída

Toda a base do sistema

Que viverá o dilema

De quem tira a própria vida.



Tudo tende a declinar

Se prosseguir desse jeito

Pois a sistema se fere

Na lei da causa e efeito

Quando se tira e não bota

A mais rica mina esgota

Claro e lógico é tal conceito.



Como a fabula da galinha

Que tinha os ovos de ouro

De olho grande o sistema

Destrói seu próprio tesouro

Como um câncer que corrói

Ele auto se destrói

Se aproxima seu estouro!



Mas o sistema inda tem

cães de guarda de plantão

Que pressentem o perigo

Já na beira do vulcão

Que apelam para a guerra

Ameaçam a vida na terra

Pra defender seu quinhão.



Enfim, tudo que era sólido

Já se desmancha no ar

A crise do fim do trabalho

Atingiu os EUA

Deram com os burros n'água

O Titanic faz água

Já começa a afundar.



O fim do trabalho veio

Não como pura alegria

Pois o sistema 'estribucha'

Demitindo todo dia

Provoca esse destempero

Levando ao desespero

Essa imensa maioria.



A esquerda abestalhada

Faz papel de carpideira

Com a direita combinada

Pra chorar a vida inteira

Reivindica o 'rebutalho'

Lamenta o fim do trabalho

Como burra de parteira!



Isso invés de ir pra luta

Contra o sistema do mal

Quer o eterno sofrimento

Com o pacto social

No mercado a alma vende

Ao seu "santo deus" se rende:

O maldito capital.



Mas não há como salvá-lo

O fetiche se virou

Contra o próprio feiticeiro

Sem trabalho... sem valor

A tal da mercadoria

Já circula sem valia

Dinheiro virou vapor!



O capital e o trabalho

Lados da mesma moeda

Se qualquer dos dois ruir

Provoca no outro a queda

O capital vê o rugir

Pra bolsa tenta fugir

Mas a crise não arreda.



No sobe e desce das bolsas

Cai na gangorra maluca

É que o tal capitalismo

Tá numa grande sinuca

No mercado financeiro

Dinheiro gerar dinheiro

É ficção já caduca.



Mas por outro lado cresce

Em todo lugar do mundo

A luta contra o trabalho

E o sistema moribundo

Relembrando o vento afoito

Do maio de meia oito

Quando a 'negada' foi fundo!



Em baixo do calçamento

Há praia (eles pichavam)

E não trabalhem jamais

Pelos muros estampavam

A França foi balançada

Na força da barricada

Milhões de jovens cantavam.



Abriram apenas a fresta

Daquele quarto proibido

Não puderam devassá-lo

O desejo foi contido

A roda viva era forte

No movimento houve um corte

O sonho foi reprimido.



De Fortaleza a Seatle

De Gênova ao sertão quente

Ressurge da crise o sonho

De um mundo diferente

Deste totalmente inverso

Humanamente diverso

E livre completamente!



Na madrugada da crise

Cantando o galo anuncia

Se insurgem novos sujeitos

Na luta do novo dia

vêm juntar os oprimidos

E todos os excluídos

Pra realizar a poesia.



Construir o paraíso

É finalmente possível

As condições estão postas

É isso coisa visível

Temos a capacidade

Basta que a humanidade

Queira alcançar esse nível.



Usando corretamente

A boa tecnologia

Para produzir bens úteis

E não mais a mercadoria

Dividir toda a riqueza

Compartilhar a beleza

Multiplicar a alegria!



Mas pra isso acontecer

Essa tal democracia

Nós temos que superar

Sob a lei da economia

Se tornou grande arapuca

Só quem é lélé da cuca

Não percebe a ironia.



Os sonhos não envelhecem

Meu amigo, pode crer

Nós vamos juntar a fome

Com a vontade de comer

Há uma conspiração

Uma feliz conjunção

Para um novo amanhecer.



Falo dos três elementos

Dessa feliz conjunção

Que realinham os planetas

Na era da emancipação:

- Teoria radical

- Sistema em crise final

- E os sujeitos em ação!



Sem essa de Dom Quixote

O tal Cavaleiro Errante

Com suas batalhas patéticas

De um mundo mirabolante

Nosso sonho é racional

Nossa aventura é real

Sólida como um diamante.



Eu não quero apresentar

Nenhum tipo de receita

Porém possíveis saídas

Dessa sinuca bem feita

Sem querer fazer sermão

A humana emancipação

É a proposta perfeita!



A nossa emancipação

Será uma ruptura

Com tudo que é feitiço

Que serve de estrutura

Pra sustentar o sistema

Nessa situação extrema

De 'invisível' ditadura.



Segue a lista de fetiches

Que temos que exorcizar:

- Democracia e nação

- Valor e o dinheiro já

- Mercadoria e mercado

- A política e o Estado

- E trabalho, pra completar.



E com o fim desse ultimo

Ficou em xeque os demais

E a lenda que nos tornamos

Distintos dos animais

Por graças do "deus trabalho"

Essa aí foi do 'cascalho!'

Isentou os ancestrais.



Posto que na verdade

Nós humanos nos tomamos

Graças à criatividade

Que para viver usamos

E não pelo labor diário

Foi por esse itinerário

Que nós nos escravizamos.



Enfim os seres humanos

Podem sair da pré-história

E se tornarem sujeitos

Da sua própria trajetória

Livres com toda certeza

Da "segunda natureza"

Da sua sanha predatória.



Pra que a cultura do ócio

Possa ser vivenciada

Essa sociedade atual

Precisa ser superada

Já falei, digo de novo

Desafio ao nosso povo

Resolver essa charada.



Aí, os dias serão Domingo

Sísifo e Prometeu

Caçarão as borboletas

Com Ariadne e Tezeu

Com uma rede já furada

Só por pura palhaçada

Querendo enganar Morfeu.



"Inutilmente" felizes

Lerão num dia bem dengoso

Para seus dengosos filhos

O pavão misterioso

Enquanto aninham os arcanjos

Discutem o sexo dos anjos

As margens de um rio manhoso.



Essa idéia foi gestada

Nas praias do Ceará

Terra de Rosa e Maria

E de Bárbara de Alencar

Lar da Confederação

De Martiniano e Tristão

Terra de Dragão do Mar.



Terra de Quintino Cunha

Moleque igual ele só

Terra do Pão do Espírito

E do padre Mororó

Terra de rebelião

E do fim da escravidão

Terra do mocororó.



Do Ceará para a mundo

Você pode acreditar

Que tudo começa aqui

Para depois se espalhar

De Jader a Conselheiro

Do Caldeirão do Juazeiro

As idéias nascem por cá.



Mas isso requer paixão

São trinta anos de peleja

De busca e dedicação

Uma idéia não viceja

De uma noite para um dia

Requer prática e teoria

Pra que válida ela seja.



Desafio outros poetas

A arriscarem nesse tema

Desafio os passarinhos

Da praça e os da SOPOEMA

Também Carlos Nascimento

Que enviou seu pensamento

Bradando o fim do sistema.



Aqui vou finalizando

Esse informe bem rimado

Que o caro leitor reflita

Sobre o tema apresentado

Enfrentemos o debate

Posto que a vida é combate

Ninguém vai ficar calado.

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"Nó s estamos destruindo

O trabalho e o cifrão

Nós estamos perseguindo

A nova revolução

Nós estamos construindo

A humana emancipação"



Sextilha de Carlos Nascimento

Titulo: Cordel do Fim do Trabalho

Autor: Ronaldo Rogério

sob a orientação técnica do Poeta Rouxinol do Rinaré

Lançado no Encontro Critica Radical, 22/03/2003

Instituto Filosofia da Praxis

Rua Padre Mororó , 952- Centro

Fortaleza - Ceará